quarta-feira, 15 de julho de 2009

A Ameaça

Quando estás longe, tudo bem, mas quando te começas a aproximar... Primeiro, há um choque, um pico do sismógrafo que acabou de ser ligado. Depois há um agradável blend de cheiros, a perfume, a batôn, a ti. Pode cheirar a merda na rua, quando chegas cheira a ti. Enquanto se fica enebriado por esses cheiros é que aproveitas para atacar (olha que aproveitar quando um gajo está entorpecido é baixo). Já estás ali ao lado, logo ao lado, mesmo ao lado.

Em Setembro é melhor, porque em Setembro cheira a humidade de chuva recente no ar e há folhas castanhas. Ou então em Outubro. Tem é que ser à noite. Mas parece que apareceres noutros meses é igualmente opção para ti. Isso para ti é apenas uma moita mais cerrada, para o ataque ser mais de surpresa! És o único felino que ronrona quando quer atacar.

Há os que se esquecem, acredita, só lhes voltas à memória na noite de ataque seguinte, semanas ou meses depois, conforme disponibilidade de um e doutro. Esses são os românticos.
Depois há aqueles em cuja memória ficas a bater ferro muito tempo. "Será que vai, ou não vai?" Esses são os parvalhões. Não queiras nada com eles (não que não saibas escolhê-los bem, mas às vezes...).

Enfim, é enfim que tenho a dizer. Inspirar fundo, como quem suspira calmo, mas que na verdade está a querer beber mais um golo de inspirações diluidas no ar. És assim. Nunca to tinham dito? Pois olha, és assim. Também, pode dizer-se que os lirismos acabam depressa aos romanticos, que aos outros, os parvalhões, nunca lá passou. Daí a complexidade em escrever-te algo. Só restam algumas arranhadelas como testemunhas do teu silencioso, mortal, sanguinário ataque.

Chiu... lá vens tu outra vez

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Saga da Senhora que Comprou uma Geringonça - Prosa

Para servir as suas necessidades de ocupação de tempo, a Dona Apolinária comprou um computador. Entusiasmada, abriu-o, desviou o napron da mesa da sala, espalhou as peças e montou-o. Orgulhosa do seu feito quis experimentá-lo, pelo que decidiu escrever o seu nome. Ligou a máquina, iniciou um novo documento no processador de texto e escreveu: "Apolinária". Ficou contente. Desligou o computador.

Um instante depois de o novo companheiro deixar de suspirar, lembrou-se que o seu primeiro nome era muito singular, demasiado singular, e essa singularidade incomodava-a. Então, ligou o computador. Deixou escrito "Apolinária Bento". Sorriu. Que lindo. Desligou o computador.

Logo depois de se ter levantado para ir lavar as suas pantufas, Dona Apolinária estacou. Não tinha dado nome ao ficheiro... Ligou o computador. Abriu o ficheiro "Sem Título" e guardou-o como "Nome". Em êxtase, deleita-se com o feito, enquanto o computador desliga.

Levantou-se. Tropeçou, no tapete e nas suas ideias. Um ficheiro com um nome chama-se "Nome"? Não era um nome, era o seu nome! Ligou o computador. Alterou o nome do ficheiro para "O Meu Nome". Desligou o computador.

Lembrou-se que algo já tinha o nome de "O Meu...". O que era? Ligou o computador. Bem na frente dela um nome piscava: "O Meu Computador". Ao lado deste, a existência de um ficheiro chamado "O Meu Nome" tornava o computador da Dona Apolinária repetitivo. Alterou o nome do ficheiro. Desligou o computador.

A Dona Apolinária ofereceu o computador à neta. Comprou um massajador facial.