domingo, 5 de abril de 2009

Sexta à noite

Sexta à tarde regresso do meu sapato
Chama-me o sofá tumultuoso
Ainda ligado? Ah, já alguém o tivera adormecido hoje...
Pois, ainda deitam vozes, algo de muito ténue
"il bambino... grazo cazzo..."
"si... siii... Siiii!"
Era esta a mistura latina ouvida
Desconfio por não se ouvir o francês (ouve-se sempre francês...)
Mas não divaguemos: a sua voz latente ressoa
Porém, ah! o que é isto? vem desta caixa
Não pode ser... o gajo deve ser um ventríloquo ou assim
Pelo menos é assim que o vejo
Há uma crosta, uma litosfera, um lençol fluvial
Pesado, pesado... no entanto tão convidativo
Era este que me chamava? não vamos especular
Vamos antes dar-lhe uso, vamos subverter a latência geral.
Vamos à luta! Juntos derrotaremos o sistema!
Não, não vamos. Hoje não, hoje vamos ouvir palavrões em italiano
Em espanhiliano, é mais o que estamos a ouvir...
Chamo-lhe um truque, mais um mexicano.
Seja o que for, não interessa
Vou voltar... está lúcido... lúcido...
Lá está outra vez o corvo:
nunca mais, nunca mais!
Nunca mais?...
Nunca...
Mais...
esta noite é sexta
e adormeci no sofá
debaixo de um edredon
e a ver televisão estrangeira

Eles!

Eles estão por todo o lado
Eles são convencidos
São demitidos
Nunca desistem
Nem se comprometem

São completares e bipolares
São indesejados e alterados
Hipócritas e anedóticos
São puros e empíricos

Eles são socialistas
Anarquistas, comunistas
Sindicalistas e banqueiros
Eles são podres de dinheiro
E parece que querem mais

São sem-abrigos
São reis de si próprios
Não têm os pés na terra,
Guardando o seu local ao sol
Foram mal criados
Agora são bem educados

São mentirosos
Chauvinistas
Pateta-alegres
Terroristas
Eles não sabem
Eles não sonham
Mas têm altas vistas

Eles pensam, e pensam que sabem
Eles são marxistas e salazaristas
São Nietzsche, são Freud
São um coração mole

São indesejados e ultrajados
São expulsos, ociosos
São lixados e trabalhosos
São exilados e escrupulosos

Ai, eles!...
Eles são assim
Não há nada que os faça mudar
Eles são romanticos e racionais
Eles são platónicos e fiéis
São cabrões e chulos
São prostituintes de somas
São prostitutos de produtos
São pouco e são demais

Eles são excremento, são nojeira
São lama, terra má
São barro, gesso, porqueira
São do pior que há

Mas quem são eles?
Os vilões, os artistas
Os mundanos, proxenetas
Eles que são profetas
Quem são eles?

Não quero cometer a pífia imoral
De dizer que nós somos eles...
Mas não será de mais reflectir
Nos tempos propícios à arte
(E técnica, convenhamos)
Sobre a verdadeira
Parte de nós que são eles