quinta-feira, 13 de maio de 2010

sábado, 17 de abril de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O Senhor Zé

Cheguei a voltar a casa até às quatro da manhã, ou, quando o arrefecimento da noite o permitia (isto é, quando ma dava folga, naquelas noites de verão...) nem chegava a deitar-me. Quando alguém dava pelo meu regresso perguntavam-me de onde vinha. Invariavelmente respondia que estive a ouvir o senhor Zé. Não indicava o local, como se fosse natural todas as mentes entenderem que o lugar são as conversas que saiam da boca do senhor Zé. Muitas chagavam mesmo a percorrer um caminho atribulado, tinham que patinar algures na laringe enlameada pela cerveja de garrafa e demoravam a sair.
Quem ainda tinha forças para me desafiar, pediam para justificar a demora devida a um motivo tão pouco legítimo. Sentiam-se vencidas por argumentos meus (que eram só redundâncias da frase 'estive a ouvir o senhor Zé a contar histórias') sentiam-se vencidas e disparavam coisas sem sentido. Por vezes até mostrava que as histórias que ouvia eram importantes. O senhor Zé falava-me dos seus tempos todos, dos quais nem suponha que metade fossem dele; contava-me das vezes que tinha sido fodido e de algumas em que fodera, num manifesto mais ou menos literal do que fora a sua vida (porque para a frente eram só especulações). Era importante ouvir o senhor Zé, vou faltar às aulas da manhã se for preciso porque mais ninguém vai estar ali senão eu, e é vital ouvi-lo. Do outro lado começavam a impacientar-se, a sentirem um súbito chamamento para a razão, pelo menos para a razão deles, a razãozinha, que é aquela se sentimos quando temos razão. Então diziam de que serve ouvir agora o senhor Zé se não for às aulas. Depois ia ter uma vida miserável motivada pela fraca instrução oficial e como tal não ia poder ter a independência mental para me serem úteis, em última análise, os ensinamentos do senhor Zé. Que mais tarde podia ouvir outros velhos e bêbados, aos montões, quando tivesse a vida estabilzada. Mas eu calava-os. Dizia que aquele senhor Zé é que tem que ser ouvido. Que não ia ouvir outro senhor Zé, porque senão quem ouvia este? E que o outro senhor Zé não era este senhor Zé, e que por mais genuino, não passava de uma imitação de nylon deste senhor Zé, e quem quer uma imitação de nylon quando tem agora - atentem no agora - o verdadeiro senhor Zé? E deitava-me, mas não dormia, e ia às aulas da manhã.

sábado, 27 de março de 2010

atrás

cá atrás é diferente
as harmonias não são tão harmónicas
os ritmos não são tão rítmicos
as cadências misturam-se com as reverberações das paredes técnicas de betão colorido de preto

os sons tornam-se manifestos longínquos de outras idealizações que aquelas que se passam por detrás e, portanto, se sobrepõem, dando a conhecer um produto final de intelectualização que será tão semelhante àquele que se passa do outro lado (à frente) quanto o profissionalismo daqueles de trás

e sonham:

será que à frente é diferente?
será que as harmonias são, de facto harmónicas?
e os ritmos, serão eles rítmicos?
conseguir-se-ão distinguir as tais cadências, serão elas concluintes ou serão que deixam pairar uma desconfiança de não-final?

segunda-feira, 1 de março de 2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

03:19

Não consigo dormir. Ocorreu-me escrever-te centenas de cartas, como tal, não consigo escolher uma. Mas como sou um fraco, e tenho que te escrever algo... Bem, o que quero dizer é que te vais ter que contentar com isto:


03:22

Uma vez escrevi-te assim:

Não tens que agradecer.

Não fui eu quem te desenhou o sorriso, nem o contorno da cara, nem te pintou as mãos de vermelho nem os olhos de azul. Quando te vestes de paz e rosa e ris, nunca sou eu o guarda roupa. O guarda roupa... nem sequer te escrevi os textos! Foi o gajo, o que escreveu também em itálico, provavelmente por cima da tua primeira fala, que era agradável estar contigo. Sobre isso, quero que fique claro, nem tenho culpa! (E por um pouco, nem desculpa para o fazer.)


03:24

Tenho pensado muito em ti. Tens sido a responsável por ter escrito muitos textos ultimamente. O que não é mau para um escritor. Bem, já sei que, quando sair alguma compilação de textos meus, os meus colegas vão topar que vão todos a saber a ti. Deixa-os, isto é só nosso! Posso até concretizar isso, posso nem publicar os textos e apenas dá-los a ti. Por mim é boa ideia, de todas as maneiras já consegui armazenar comida até ao fim do mês.


03:28

...

03:31

Passam-me pela cabeça milhares de matérias, ou assuntos (para onde irão eles?). Não os estou a conseguir organizar, por isso vou fazer uma lista:

  1. agora não se escrevem cartas
  2. agora arquitectam-se relações
  3. não sei se sabes que és assim


03:33

A primeira entrada é mais um apontamento que me faz questionar - e automaticamente responder, por já saber a resposta - porque estou a escrever isto. Já (quase) ninguém escreve cartas. Porém, são cartas que me apetece escrever-te. Sei bem que é devido aos medos e faltas de coragem respectivas que estão associados ao pensar em escrever isto tudo num telemovel, limitado por espaço e saldo. Foi fácil, e sobre isto já não há mais a acrescentar.


03:36

b) é uma consequência de ter pensado em a) e ter ficado acordado a pensar em ti quando tenho centenas de personagens que me acompanharam durante o dia a dançar na minha cabeça (e que descem pelo meu peito). Sei bem das regras que implicam escrever uma carta de amor ou de amizade assinada por um alguém, na esperança de publicar nalgum suplemento literário de uma revista menor. Basta escrever na terceira pessoa e a relação que conto ao leitor é outra (muito mais formal, ou antes, cuidada). Também podemos pensar em todos os pequenos detalhes quando lidamos com alguém. E acredito que há quem o faça. Dá-me vontade de lhes chamar plásticas a essas relações.


03:40

Não sei mesmo se sabes porque te acontece isto, de deixar alguém acordado. Já muitas vezes sugeriste desconhecer porque há homens que se comportam como crianças na tua proximidade. Espera... não, isso acho que podes tentar descobrir tu! Até porque não sei tudo, não é? Ups, já está a acontecer outra vez. Isto passa-se muito, de querer escrever, que devia ser apenas decalcar as ideias muito estruturadas que me passam pela cabeça, e entrar numa dormência que me obriga a escrever palavras que não fazem sequer ligação com as que se encontram duas posições atrás. Tenho que ter mais cuidado com isso!


03:43

Uma outra vez escrevi-te assim. Chamei a este texto 'Azul', pensando nos teus olhos. Tiques de escritor, sei bem - melhor que eu, está visto - que não é pelos teus olhos, os teus lindos olhos, que me ocorre escrever isto:

Desisto. Vou levantar-me e lavar os dentes. Se não resultar, sempre posso pedir ao vizinho para lavar os dele... Vivo numa cidade grande, posso bater a todas as portas, e o melhor é que, quando acabar o trabalho, posso outra vez continuar recomeçando, pois os primeiros já se entupiram de natas e têm os dentes pretos.

Ou então vou fazer uma lista de coisas. Colchões, nabiças, cabeças de alho, berlindes... são demasiadas...

Pois, juro que tentei. Ou isso, ou arranjei uma desculpa. Mas pelo menos não adormeço com a consciência a pesar, é deixa-la sossegada que ontem deitou-se tarde. Será que ainda tens as mãos quentes?


04:30

Como não guardei o documento, tive que voltar a escrever tudo de novo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010